Publicado no Blog do Pr. Altair Germano - http://www.altairgermano.net
Nesta última lição do 4º trimestre de 2011 o tema “integridade” é abordado com muita propriedade. Iniciarei este subsídio citando e comentando alguns trechos da lição.
A INTEGRIDADE DO LÍDER E AS VANTAGENS
“[…] Neemias abriu mão de todas essas vantagens, para ajudar para ajudar seus compatriotas a superar aquele momento tão difícil. Atualmente, não são poucos os homens e mulheres que tudo renunciam para se dedicarem integralmente ao Reino de Deus.” (Ponto I, sub-ponto 1)
O texto acima afirma uma verdade, a de que muitos renunciaram vantagens para se dedicarem ao Reino Deus. Conheço diversas pessoas que sentindo o chamado de Deus para dedicar tempo exclusivo em sua obra abriram mão de um emprego maravilhoso, de uma carreira promissora e de um negócio lucrativo.
Por outro lado, conheço muita gente que fez (e faz) do Reino de Deus o seu negócio. São líderes que fazem da posição que ocupam fonte de enriquecimento pessoal e de benefício para a família e “amigos”. Estes, matam e morrem para não perder as vantagens das quais Neemias abriu mão. Falo da segurança, estabilidade, conforto, posição privilegiada e honrarias.
Nos dias atuais tenho visto líderes que eram íntegros e tementes a Deus, mas, que agora encontram-se corrompidos e embriagados por cargos e posições. Ocupar e se manter em cargos de diretorias de igrejas, convenções estaduais e nacionais tornou-se obsessão para os tais. A minha alma geme em vê tanta gente boa se perdendo. A confiança na soberania de Deus que estabelece líderes para servir ao seu povo foi quase que totalmente abandonada.
A INTEGRIDADE DO LÍDER E A REFORMA MORAL E ESPIRITUAL
“Homem íntegro e temente a Deus, não se limitou a reconstruir os muros e as portas de Jerusalém, mas conduziu a nação a uma profunda reforma moral e espiritual”.(Ponto II, sub-ponto 1)
Uma reforma moral e espiritual foi um grande anseio no período que antecedeu a Reforma Protestante. O quadro era o seguinte:
- Corrupção e suborno nas eleições e indicações para os cargos eclesiásticos.Alexandre VI foi eleito pelo colégio de cardeais por meio de suborno e Leão X teve a sua eleição comprada a peso de ouro[1]. Sisto IV financiou suas guerras vendendo os cargos da Igreja para os compradores que mais pagassem.[2] Os cardeais raramente eram escolhidos por sua piedade, mas em geral por sua riqueza ou relações políticas ou capacidade administrativa.[3] Na Igreja do século XV quase todas as indicações exigiam a compra de superiores. “Uma medida papal muito usada para arranjar dinheiro era vender cargos eclesiásticos, ou (segundo o ponto de vista dos papas) indicar para sinacuras ou honrarias, até para cardinalato, pessoas que fizessem uma contribuição substancial para as despesas da Igreja”.[4] O nepotismo esteve também presente. Alexandre VI logo após a instalação, cumulou seu filho de benefícios, que aos 16 anos foi nomeado arcebispo de Valência. Após um ano fê-lo cardeal.
- Envolvimento com a política secular. Leão X, o terrível, era mais comandante de tropas do que líder espiritual. “Para ele, a salvação da Igreja estava na política e na guerra, uma eclesiologia altamente questionável”.[5] A diplomacia inescrupulosa de Alexandre VI e o militarismo cruel de seu filho César Bórgia reconquistaram os Estados Papais para o papado e acrescentaram rendas e forças à Sé Apostólica, escandalizando com os seus métodos a Europa.[6] O Papa Júlio II superou a postura e ação militar de César Bórgia realizando guerra contra a rapace Veneza e os franceses invasores. “A Europa ficou chocada ao ver o papado não somente secularizado como também militarizado”.[7] O Papa Sisto IV atirou-se avidamente ao jogo da política.[8] Muitos bispos eram, ao mesmo tempo, governadores eclesiásticos e civis.[9]
- O esbanjamento dos recursos. Leão X foi leviano gastando fortunas para saciar o seu hedonismo. Logo após a sua eleição escreveu a seu irmão Giuliano de Médicis: “Curtamos o papado, já que Deus no-lo concedeu!”.[10] A Igreja esqueceu a pobreza dos Apóstolos nas necessidades e gastos do poder[11]. Os impostos papais para manter o luxo tornaram-se uma carga pesada para o povo da Europa.[12] “Para a maior parte do clero, a Igreja era vista como sendo de sua propriedade”. [13]
- A força da tradição. Um conjunto de tradições religiosas, ao passar dos séculos, ganhou preeminência em relação à Palavra de Deus. Assim, como nos dias de Jesus, a tradição passou a invalidar o mandamento divino (Mt 15.1-6). Como bem coloca Maia
A tradição nunca foi rejeitada pelo simples fato de ser tradição. Nas próprias Escrituras encontramos ênfase e crítica à tradição (2 Ts 2.15). A questão básica é: A que tradição estamos nos referindo? R.C. Sproul esclarece: “Lutero e os reformadores não queriam dizer por Sola Scriptura que a Bíblia é a única autoridade da Igreja. Pelo contrário, queriam dizer que a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja.[14]
O que não se pode negociar e aceitar é o fato de que nenhuma tradição, por “boa” que seja, tenha autoridade acima da Palavra de Deus.
- Outras queixas. Outros fatores contribuíram para o anticlericalismo da Europa Católica Romana.[15] Foram eles: A ênfase na fé ortodoxa mais do que na boa conduta, a absorção da religião pelo ritual, a ociosidade e a esterilidade espiritual dos monges, a exploração da credulidade popular através da venda de indulgências, do suposto poder miraculoso das relíquias, do abuso da excomunhão, da censura pelo clero às publicações, a crueldade da inquisição, o desvios de recursos destinados às cruzadas, e mais a afirmação de que um clero corrompido era o único ministrador de todos os sacramentos, com exceção do batismo.
Este conjunto de fatores promoveu um total descrédito na liderança da Igreja. O título de clérigo, padre ou monge era um termo de insulto pesado. “Em Viena, o sacerdócio, em tempos a mais desejada de todas as carreiras, não recebeu qualquer noviço nos 20 anos que precederam a Reforma”.[16]
É duro afirmar, mas estamos repetindo os mesmos erros do passado. Concluo, seguindo a mesma perspectiva de Lutero, de que uma reforma moral só será possível com uma reforma espiritual, e não o contrário. Aliás, foi este o grande ponto de divergência entre o reformador Lutero e o humanista Erasmo de Roterdã.
A INTEGRIDADE DO LÍDER E O PODER
“Há um ditado popular que diz: ‘Quer saber quem é realmente uma pessoa? Dê-lhe poder’. Há certos homens e mulheres que, ao assumirem um cargo de liderança, mudam completamente”. (Ponto II, sub-ponto 2)
Eu acrescento ao ditado o seguinte: Quer saber mais ainda quem é realmente uma pessoa? Tire o poder que lhe foi dado.
Conheço líderes que quando não estavam no poder censuravam e se indignavam com algumas práticas de quem lá estava. Ao assumir o poder, não demorou muito para reproduzir os mesmos erros.
Hoje, em igrejas e Convenções, há uma luta ferrenha para se conquistar e para se manter no poder. Quem está fora quer entrar para “mamar nas tetas” da instituição, enquanto quem está no poder não quer largar de forma alguma as “tetas”. Parece até com a música do Dominguinhos que diz:
Olha, isso aqui tá muito bom
Isso aqui tá bom demais
Olha, quem ta fora qué entra
Mas quem ta dentro não sai
Verso:
Vou me perder me afogar no teu amor
Vou desfrutar me lambuzar deste calor
Te agarrar pra descontar minha paixão
Aproveitar o gosto dessa animação
No caso “ministerial” em questão, os homens estão se afogando no amor ao poder, se lambuzando nos privilégios, se agarrando aos cargos e se animando nos grandes banquetes.
A INTEGRIDADE E A POPULARIDADE DA LIDERANÇA
Wiersbe, em seu livro A Crise de Integridade (1993, p. 52-53), faz uma advertência bastante pertinente para a nossa realidade
Uma das fraquezas da igreja nos últimos anos tem sido a abundância de celebridades e a ausência de servos. A maneira pela qual alguns pregadores dos meios de comunicação têm ostentado abertamente um estilo de vida extravagante é uma desgraça para si mesmos e para a igreja. Entretanto, poucos líderes religiosos ousam criticá-los ou cortar a amizade. Afinal, quando assistem às mesmas convenções, compartilham a mesma publicidade e pertencem às mesmas comissões influentes, é fácil ignorar o pecado e chamar a covardia de “tolerância”.
A igreja não vai solucionar a crise de integridade até que os seus ministros e membros comecem a viver a mensagem do evangelho tanto quanto pregá-la. Os pregadores do sucesso asseveram que uma vida de opulência é a confirmação do evangelho, mas eu acho que é uma contradição do evangelho. Não é que Deus queira que o seu povo viva em pobreza, pois ele “tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1 Tm 6.17). Mas, levando em consideração o nascimento, a vida e a morte de Cristo, e levando em consideração o sofrimento e a necessidade do mundo nos dias de hoje, como pode a igreja justificar apoio a homens e movimentos que desperdiçam recursos? Acho que algumas celebridades cristãs tem problemas financeiros e morais por começarem a acreditar no que se dizia a seu respeito. Deve ser difícil para a celebridade chegar em casa depois de uma esplêndida reunião ou concerto e ter que trocar as fraldas do nenê ou levar o lixo para fora! […] Nos dias de hoje muitos ministérios são governados pela popularidade e não pela integridade, pelas estatísticas e não pelas Escrituras. […] Nossa igrejas também precisam de líderes corajosos como Neemias, que estejam dispostos a atacar a árdua tarefa de remover os destroços, reconstruir os muros e retirar o opróbrio do povo de Deus. Para resolver essa crise de integridade, pregadores e leigos precisam trabalhar em conjunto. Portanto, voltemos a Neemias e consideremo-lo como nosso exemplo de integridade na liderança.
Amados, fico por aqui, agradecendo a todos que me motivam para continuar a escrever estes subsídios. Sou sabedor do incômodo que os mesmos provocam em muitos, mas, da mesma forma, da esperança e ânimo que promovem em outros.
Sou consciente de que não se dobrar ao “sistema” tem um preço alto a ser pago, mas, como Jesus pagou um preço bem maior, sigo na graça dele e contando com as vossas orações.
No amor de Cristo,
CITAÇÕES
[1] DREHER, Martim N. A Crise e a renovação da Igreja no período da Reforma. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006, p. 17.
[2] DURANT, ibid., p. 11.
[3] Ibid., p. 15.
[4] Ibid., p. 16.
[5] DREHER, ibid.
[6] DURANT, ibid., p. 11.
[7] Ibid., p. 17.
[8] DURANT, Ibid., p. 11
[9] Ibid., p. 15.
[10] DREHER, ibid., p. 18.
[11] DURANT, ibid., p. 16.
[12] CAIRNS, ibid., p. 201.
[13] DREHER, ibid.
[14] MAIA, Hermisten. Fundamentos da Teologia reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 42.
[15] DURANT, ibid., p. 21.
[16] Ibid.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOICE, James M. et al. Reforma Hoje: uma convocação feita pelos evangélicos confessionais. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. Tradução de Israel belo de Azevedo. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
DURANT, Will. A Reforma. Tradução de Mamede de Souza Freitas. 3.ed.Rio de Janeiro: Record, 2002.
DREHER, Martim N. A Crise e a renovação da Igreja no período da Reforma. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006.
MAIA, Hermisten. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
WIERSBE, Warren W. A crise de integridade. Flórida-EUA: Editora Vida, 1993.